O agachamento é um dos exercícios mais completos que podem ser realizados dentro das academias, pois envolve um elevado número de articulações e músculos, consistindo em um excelente meio de fortalecer a musculatura da coxa, do quadril e outros inúmeros coadjuvantes que atuam na realização do movimento. Estes e outros fatores levam treinadores e atletas do mundo todo a referirem a ele como o "rei dos exercícios". Além disso, sua execução é extremamente funcional, pois usamos esse tipo de movimento constantemente em nossas atividades diárias como, por exemplo, sentar e levantar de uma cadeira ou pegar um objeto no chão. Mesmo assim, ainda há quem o proíba ou restrinja seu uso sem uma explicação plausível, principalmente limitando sua amplitude em 90° de flexão dos joelhos. Jamais devemos esquecer que nossas estruturas musculares e articulares adaptam-se de forma extremamente específica aos movimentos. Por exemplo, indivíduos que utilizam amplitudes muito curtas podem se lesionar em uma atividade cotidiana pelo simples fato de não treinar um determinado ângulo de movimento. Neste sentido, a limitação da amplitude do agachamento, além de reduzir a eficiência do exercício, pode diminuir a funcionalidade em movimentos do dia a dia como, pegar um objeto pesado no chão.Este texto trata do verdadeiro agachamento que muitos chamam de agachamento profundo.JoelhoHistoricamente, a tentativa de condenar agachamentos foi iniciada com um estudo militar dos anos 1960, o qual sugeriu danos às estruturas articulares devido à realização deste exercício. Porém o estudo tinha pára-quedistas em sua amostra, uma população exposta a lesões devido à suas atividades diárias, o que não foi levado em consideração. Segundo alguns conceitos, o agachamento profundo é perigoso porque ao flexionar o joelho em ângulos maiores que 90° aumenta-se perigosamente a tensão na patela, de modo que este movimento deveria ser abolido. A maioria dos "especialistas", porém, analisa o agachamento pensando somente no quadríceps e se esquecem que na fase profunda do movimento os músculos posteriores da coxa são fortemente ativados ajudando a neutralizar a temida tensão exercida na patela. Já foi afirmado em alguns estudos que as estimativas de valores altos da "tensão" em ligamentos e ossos verificados nos agachamentos, eram devidos aos modelos biomecânicos que foram utilizados. Desta forma, deve-se analisar com cautela as pesquisas anteriores a 1998 sobre o tema (ESCAMILA, 1998). Um estudo feito por ISEAR et al em 1997 concluiu que durante o agachamento, os isquiotibiais produzem uma força vetorial direcionada para trás, compensando a atuação do quadríceps, em um processo denominado co-contração, que contribui para estabilizar os joelhos durante o movimento. Estudos de curto e longo prazo não verificaram frouxidões, instabilidades ou lesões nos joelhos após a realização de um treino de agachamentos (NEITZE et al, 2000; MEYERS, 1971; PANARIELLO et al, 1994). Já em 1971, MEYERS conduziu um estudo de 8 semanas, evolvendo agachamentos profundos e paralelos em diferentes velocidades e verificaram que nenhuma das variações afeta a estabilidade dos joelhos. PANARIELLO et al em 1994, analisaram os efeitos de um treino de agachamentos na estabilidade dos joelhos de jogadores de futebol americano. Ao final de 21 semanas, não foi detectado nenhum prejuízo na estabilidade dos joelhos. É importante ressaltar que levantadores de peso, tanto olímpicos quanto basistas, realizam agachamentos com amplitude completa e sobrecargas elevadíssimas e possuem os joelhos mais estáveis que a grande maioria dos indivíduos (CHANDLER et al 1989). Em 1961, KLEIN afirma que o agachamento profundo afetaria negativamente a estabilidade dos joelhos. Porém, para chegar a esta conclusão o autor analisou diferentes grupos de atletas e depois procurou dar suporte às suas conclusões através de análises cadavéricas. Segundo o autor, os ligamentos colaterais ficam expostos a tensão excessiva durante o agachamento profundo, além de ocorrer uma rotação natural do fêmur sobre a tíbia que poderia causar compressão dos meniscos, relato também usado por RASCH para condenar o agachamento profundo. Porém a significância destes fatos e sua ocorrência não foram verificadas in vivo. Ligamento cruzado anteriorEm pesquisa realizada por YACK et al 1993 concluiu-se que o agachamento minimiza a tendência de deslocamento anterior da tíbia, sendo mais indicado, em comparação com a mesa extensora diante de lesões no ligamento cruzado anterior. Diversos autores também corroboram com essa afirmação, é o caso de um estudo feito por MORE et al (1993) no qual, se concluiu que os isquiostibiais atuam sinergisticamente com o ligamento cruzado anterior na estabilização anterior do joelho durante a realização do agachamento, o que levou os autores a considerarem esse exercício útil na reabilitação de lesões no ligamento cruzado anterior. De acordo com ESCAMILLA (2001) o agachamento produz menor tensão nesta estrutura que atividades consideradas seguras, como a caminhada. Durante o agachamento, a tensão no ligamento cruzado anterior só é significativa entre 0 e 60° de flexão, sendo que seu pico mal atinge ¼ da capacidade deste ligamento resistir a tensão (+/- 2000 N), mesmo com cargas superiores a 200 quilos (NISSEL & EKHOLM, 1986). Ligamento cruzado posteriorMACLEAN et al em 1999 analisaram dois grupos: um composto por indivíduos sedentários saudáveis, e outro por atletas lesionados no ligamento cruzado posterior. O objetivo foi verificar se um treino de agachamento era eficaz na melhora da função, ganho de força e sintomatologia (no caso dos indivíduos com lesão). Depois de 12 semanas, observou-se aumento de funcionalidade no grupo lesionado, concluindo que o treinamento de agachamento é viável para reabilitar insuficiências crônicas do ligamento cruzado posterior. Dificilmente será imposta ao ligamento cruzado posterior uma tensão maior que sua capacidade, tendo em vista que mesmo ao realizarmos agachamentos profundos com mais de 380 quilos, não se chega nem a 50% de sua capacidade de suportar tensão (RACE & AMIS, 1994).PatelaEm 2000 WITVROUW et al compararam a eficiência dos exercícios de cadeia cinética fechada (agachamento) com os de cadeia cinética aberta (extensora de perna) no tratamento de dores patelofemorais. De acordo com os dados, apesar de ambos os protocolos serem eficientes, os melhores resultados foram proporcionados pelos exercícios de cadeia cinética fechada. A tração do tendão patelar chega a 6000N em 130° de flexão de joelhos com um agachamento de 250 quilos (NISSEL & EKHOLM, 1986), cerca de 50% do valor máximo estimado para esta estrutura, que varia de 10000 a 15000 N (ESCAMILLA 2001). Forças compressivasAs forças compressivas chegam próximas a 8000 N durante o agachamento com cargas elevadas (250 a 382,50 kg), sendo praticamente a mesma nos ângulos entre 60 a 130 de flexão de joelhos (NISSEL & EKHOLM, 1986), porém ainda não foi estudado um valor limite. Deve-se lembrar, no entanto, que da mesma forma que a compressão excessiva pode ser lesiva para meniscos e cartilagens, elas têm um papel importante na estabilidade dos joelhos (NISSEL & ELKHOLM, 1986; MARKOLF et al, 1981; SHOEMAKER & MARKOLF, 1985; YACK et al, 1994. ZHENG et al, 1998, verificaram o pico de força compressiva patelofemoral no agachamento, cerca de 3134 N, no leg press, 3155 N e na extensão 3285 N, não havendo diferença estatística entre os exercícios. Os autores alertaram que estudos anteriores superestimavam as forças compressivas patelofemorais por não levar em conta a co-ativação dos antagonistas, e a curva de comprimento-tensão. Considerações finais- As forças tensionais e compressivas desse tipo de exercício estão totalmente dentro de nossas capacidades fisiológicas e articulares. Se durante os treinos forem respeitados os fundamentos científicos que norteiam o treinamento de força com ênfase na técnica perfeita de execução, com certeza certamente as estruturas ósseas e articulares estarão sendo preparadas para isso. - Não podemos generalizar e deixar que todos os indivíduos realizem a prática indiscriminada de agachamentos. Em casos de lesões o ideal é fazer um tratamento no qual, profissionais de ortopedia e educação física trabalhem juntos analisando cada caso.- Para realização do movimento completo (agachar mais profundo), é inevitável que se use uma menor quantidade de peso (sobrecarga absoluta), sendo assim, por mais que haja maior tensão nas estruturas do joelho e coluna para a mesma carga, deve-se perguntar até que ponto isto é significativo em relação à sobrecarga utilizada e, principalmente, em relação ao trabalho da musculatura da coxa e quadril? Devemos ter em mente que, quando se agacha com amplitude limitada, se usa cargas bem mais altas, o que pode levar a um aumento ainda maior das forças tensionais e compressivas.- A amplitude do agachamento é muito importante, pois conforme se aumenta à flexão do joelho "profundidade" aumentam-se as ações musculares. O que não pode acontecer é o individuo, durante a fase excêntrica (principalmente quando o ângulo começa a ficar menor que 90 graus), deixar o movimento "despencar", pois, desta forma, as tensões que deveriam estar sobre a musculatura, irão se incidir nas estruturas articulares do joelho (ESCAMILA et al, 2001). - Parece que o ângulo de 90 graus, sugerido por diversos autores e treinadores, foi criado pela imaginação destas pessoas. Uma vez que grande parte dos estudos e recomendações limitando o movimento, se referem ao "agachamento paralelo" que é realizado até que as coxas fiquem paralelas ao solo, o que gera amplitudes maiores que 90 graus de flexão dos joelhos. Portanto, não se fixe a este ângulo! - Aumento no torque, tensão e força não significa que este exercício necessariamente seja perigoso ao joelho, mas sim, que esses parâmetros aumentaram, e só. As análises feitas com agachamentos profundos, pelo que consta, não demonstram nenhum prejuízo para o joelho. As lesões geralmente são causadas pela combinação de 4 variáveis: volumes altos, excesso de peso, overtraining e técnica inapropriada. Com treinos progressivos e inteligentes, o agachamento profundo certamente é seguro e eficiente.
Autores: Elke Oliveira & Paulo Gentil
Referencias Bibliográficas
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