Atividade Física Exercícios proibidos




Dr. José Maria Santarem

Noticias de que alguns exercícios da musculação foram recentemente proibidos têm circulado no meio das academias. Tal é o caso do agachamento completo, do desenvolvimento sentado, da remada curvada, do puxador por trás do pescoço, entre outros. A primeira pergunta que cabe é "Quem proibiu?", apenas para deixar claro que o verbo em questão não se aplica à situação. Certamente os profissionais que estão proibindo os alunos de realizarem os referidos exercícios estão exagerando as condutas. Na realidade o que tem ocorrido é que têm sido publicadas em revistas científicas trabalhos que identificaram sobrecargas acentuadas em componentes do sistema músculo-esquelético em alguns exercícios. Na discussão desses trabalhos, os autores comentam todas as possíveis implicações dos seus resultados, e freqüentemente a ocorrência de lesões é citada como uma possibilidade. Esse é um procedimento correto e habitual em trabalhos científicos. Os problemas começam quando profissionais menos afeitos ao rigor dos métodos científicos lêem os trabalhos e publicam suas conclusões em outras revistas com grande penetração nos meios técnicos. Freqüentemente a interpretação é que o trabalho provou que o exercício analisado provoca lesões, e a divulgação desses conceitos leva às proibições nas academias.
Na realidade, a única conclusão possível nesses casos, é que o exercício estudado apresenta sobrecargas em estruturas anatômicas. Uma sobrecarga não significa algo indesejável, mas apenas que determinadas funções dos órgãos estão sendo solicitadas acima dos níveis habituais. Diante da ocorrência de sobrecargas duas situações podem ocorrer: aprimoramento da função sobrecarregada ou falência da estrutura ou órgão. No caso das sobrecargas agudas, como é o caso dos exercícios físicos, um aumento de função muito intenso pode produzir uma lesão também aguda, mais ou menos grave, como é o caso de uma hérnia de disco ao realizar um movimento inadequado. Sobrecargas agudas excessivas mas não suficientes para produzir uma lesão aguda, quando repetitivas, poderão levar à lesões crônicas, tal como as tendinites do trabalho e do esporte mal orientados. Sobrecargas menos intensas levarão ao fortalecimento da estrutura ou órgão. A aplicação de sobrecargas não excessivas é a base do treinamento físico. Sobrecargas crônicas, geralmente não muito intensas e produzidas por doenças, quase que invariavelmente levam ao comprometimento anatômico e funcional dos órgãos. Nesses casos as sobrecargas são constantes, sem períodos de alívio, e dessa maneira não permitem as adaptações de fortalecimento que sempre ocorrem em repouso, na ausência de aumento de função. Exemplos dessas situações são as artroses por excesso de peso corporal ou por desalinhamentos articulares, a insuficiência cardíaca por hipertensão arterial, o enfisema pulmonar por síndromes pulmonares obstrutivas, entre outros.
No caso dos exercícios como saber se uma sobrecarga é excessiva ou não? Cabem algumas considerações. Estudos em laboratórios com estruturas anatômicas isoladas podem identificar limites de tolerância dos tecidos envolvidos, mas não conseguem predizer se os resultados das interações de forças in vivo poderão chegar à esses limites. Outro aspecto é que as sobrecargas biomecânicas poderão variar muito entre as pessoas, devido a diferenças nas alavancas músculo-esqueléticas. Assim sendo, sobrecargas excessivas para uma pessoa poderão ser estímulos de fortalecimento para outra. Do ponto de vista científico, a possibilidade de ocorrência de lesões somente será confirmada quando as lesões forem identificadas. Estudos experimentais com pessoas realizando exercícios suspeitos e acompanhadas para detectar a ocorrência de lesões são inviáveis do ponto de vista ético. Os estudos que caberiam nesse caso são os de levantamento de casos ou observacionais, quando pessoas que já realizam os exercícios suspeitos são acompanhadas ao longo do tempo ou avaliadas retrospectivamente. Em outras palavras, não é necessário acompanhar as pessoas durante anos para verificar se ocorrem lesões; basta avaliar pessoas que já utilizam os exercícios suspeitos há muito tempo. Na ausência de estudos como esses a ocorrência de lesões é apenas uma possibilidade teórica.
Felizmente os profissionais envolvidos com treinamento físico não precisam esperar por trabalhos científicos demorados para tomar condutas práticas em relação aos exercícios: basta que utilizem o conhecimento técnico. No caso dos exercícios com pesos, grandes cargas nunca são utilizadas em exercícios que a pessoa nunca realizou. Invariavelmente os exercícios são experimentados com pouca carga, em poucas séries com poucas repetições. O praticante deve ser orientado para informar ao professor ou técnico sobre desconforto articular que ocorra na progressão do treinamento. Faz parte do conhecimento técnico que exercícios progressivos inadequados para uma dada pessoa, antes de produzirem lesões, darão origem ao desconforto local. Provavelmente isto se deve ao estímulo dos proprioceptores peri-articulares por sobrecargas excessivas. Em outras palavras, a natureza colocou em nosso organismo um sistema refinado para detecção de sobrecargas excessivas, que informa ao sistema nervoso central suas avaliações na forma de desconforto. A ocorrência de desconforto exige intervenção no sentido de modificar ou substituir o exercício causal. Assim sendo, alguns exercícios são identificados como adequados para algumas pessoas e inadequados para outras. Além desse aspecto, o conhecimento técnico já identificou os exercícios ou técnicas de execução de exercícios que mais freqüentemente produzem lesões. Evidentemente isto ocorreu às custas de pessoas que se lesionaram, mas cujo infortúnio muito contribuiu para o conhecimento técnico atual. Tais exercícios ou procedimentos foram excluídos do arsenal da musculação muito antes que qualquer trabalho científico levantasse suspeitas sobre eles.

Publicado em 19.06.2000

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